Para começar uma semana que promete ser tão árida por questões óbvias, nada melhor do que “viajar no tempo”. Para uma época em que os talentos brotavam por todos os lados e publicitários transformavam a profissão em um sonho de muitos que chegavam às faculdades de comunicação.
Ninguém melhor do que Toninho Lima, redator Estratégico Sênior da Next, para nos contar mais sobre esses profissionais. E o melhor, ele nos levará junto nessa em três capítulos, publicados aqui na Janela, semanalmente.
“Eles existiram, por mais que suas histórias soem hoje como lendas, fruto da minha imaginação fértil. Eram pessoas normais e especiais ao mesmo tempo. Isso era o mais admirável em cada um deles: a surpresa que as suas atitudes me causavam. No mundo da publicidade, ao longo dos tempos, fui encontrando esses tipos que marcaram a minha memória e ficaram na história de nossa profissão. Aos poucos, vou promover aqui um desfile com alguns desses tipos que ajudaram a tornar a minha jornada em publicidade mais rica, interessante e prazerosa.
MOZART DOS SANTOS MELLO era meu patrão, logo no início da minha carreira. Com seus ternos muito bem cortados em alfaiataria, tecido inglês (como ele fazia questão de me informar), cabelos grisalhos domados para trás com brilhantina, sapatos de couro alemão (outra informação que me dava), ele parecia saído de um livro de Yan Fleming. Quando me enviava a São Paulo, a trabalho, fazia questão de me orientar para que eu trouxesse muitas notas de refeições: lanches, almoços, jantares. Dizia para eu pedir aos garçons que eles entenderiam minhas razões. “Assim, você pode usar o adiantamento que a agência liberou para dar uma conferida nos inferninhos paulistanos, são magníficos! Mas traga notas para cobrir os gastos com as meninas!”
MAURO MATOS era o diretor de criação da agência. Um sujeito adorável, um chefe inspirador, uma referência. Muitas vezes nossas conversas sobre conceitos e ideias para uma campanha se estendia desde a agência até um bar no Leblon. O uísque era uma presença constante na mesa e, como eu não bebia destilados, ele acabava fazendo a devida vênia aos escoceses. Lá pela madrugada, eu ia levá-lo até a sua casa e era, repetidamente, apresentado por ele à sua esposa, a doce MARIA ISABEL. Acabei íntimo da família.
LIBER MATEUCCI era o redator mais destacado na MPM propaganda no meu tempo por lá. Atendia as maiores e mais importantes contas, fazia as memoráveis campanhas de Hollywood para a Souza Cruz. Mas foi em uma reunião com a alta direção da Caixa Econômica Federal que ele se tornou lenda. Sala lotada de clientes e representantes da agência, mesa comprida cercada por doze cadeiras, antes mesmo que o assunto da reunião fosse colocado, alguém estranhou um ruído vindo de debaixo da mesa. Um dos diretores da Caixa se abaixou para dar uma espiada. Lá estavam dois pés descalços, no exato ponto de onde vinha um ronco poderoso. Era o famoso redator, que tinha por hábito tirar uma sesta após o almoço justamente debaixo da mesa da sala de reuniões.
MAGNO DIAS era a elegância em pessoa. Em ocasiões festivas na J. W. Thompson nos brindava com belos arranjos de jazz no piano e ainda nos abria as portas do seu afamado minibar. A sala dele, na diretoria, era a mais bem frequentada de toda a agência. E o seu jeito esnobe encantava alguns e incomodava outros. Confesso que me incomodava quando a conta do almoço vinha muito alta por conta de suas doses de uísque e ele, respondendo às minhas reclamações, dava de ombros e destilava: “Paga e não reclama, this is peanuts!” Chiquérrimo.
Até aqui, chegamos aos meados dos anos 1980. Prometo que trarei mais personagens interessantes. Preciso de tempo e calma para não deixar nenhum tipo inesquecível nas sombras do esquecimento. Todos eles merecem destaque.”
Viagem no tempo. Muito bom, Toninho!